Monday, May 16, 2005

 

O imperialismo verde-amarelo

Quando as pessoas falam em imperialismo, devem pensar em britânicos com a pele rosada na costa da África, ou americanos invadindo o Panamá ou Iraque. Mas, para um povo que vive em um país frio e montanhoso da América do Sul, os imperialistas têm a pele morena, são feras em uma roda de samba e no final de semana gostam de ir à praia ou de jogar futebol. Sim, somos nós, brasileiros, os imperialistas. E a maneira que estão sacudindo a bandeira do imperialismo me incomoda muito.

Nesta semana a Bolívia vai ser sacudida por manifestações. O Congresso aprovou há 10 dias uma nova Ley de Hidrocarburos (Lei dos Hidrocarbonetos) que eleva significativamente as taxas pagas ao governo pelas empresas de gás e petróleo. O presidente Carlos Mesa precisa decidir até terça-feira se vai sancionar ou vetar a lei - a Folha publicou uma extensa matéria sobre o tema.

As manifestações populares pressionam o presidente a aceitar a lei. Alguns manifestantes pedem logo a saída do presidente, e a convocação antecipada de eleições parlamentares e presidenciais. Outros grupos pedem ainda a estatização das empresas de petróleo que operam no país - seu lema é "nacionalização sem reparação". Na sexta-feira uma bomba de baixa potência explodiu no estacionamento da Petrobras da Bolívia - ninguém ficou ferido, mas o carro de um importante funcionário foi destruído. Por enquanto, é só um aviso.

Se o governo brasileiro aceitar uma nacionalização ou se tentar enquadrar a Bolívia, vai ser criticado. É um jogo onde só podemos perder. E, apesar dos bolivianos acharem que podem ganhar estatizando as operações de gás natural, vai ser uma Vitória de Pirro.

Veja por esse lado: se você acha o Brasil pobre, precisa conhecer a Bolívia. Há muito tempo desconfiava-se que o país tinha consideráveis reservas de petróleo e gás, mas a empresa estatal do país, a YPFB, não tinha capital suficiente para explorar as reservas. De nada adianta ter petróleo ou gás no subsolo, se não se consegue tirar ele de lá.

Foi feito um acordo de exploração com a Petrobras, que localizou grandes campos de gás natural do país. Campos tão grandes que iriam permanecer sub-utilizados por cem anos, se a Bolívia os usasse apenas para consumo interno. O chato é que gás natural tem a comercialização mais difícil que o petróleo. Se você descobrir um grande campo de petróleo no meio de um deserto ou de uma floresta, e conseguir transportar ele por alguns quilômetros de dutos até um porto, de onde ele seguirá por navio, provavelmente irá conseguir movimentar muito dinheiro.

Mas com o gás é preciso construir centenas de quilômetros de gasodutos, da boca do poço até a casa do consumidor. E ainda é preciso conseguir autorização ambiental, desapropriar terras e movimentar máquinas e operários por locais inóspitos. Fazer um gasoduto Brasil-Bolívia já é difícil, e um Bolívia-Estados Unidos ou Bolívia-China é inviável.

Mas vejam só: o gasoduto foi construído e ainda foi elaborado um contrato no estilo "take or pay". A Petrobras paga por uma quantidade pré-estabelecida de gás, mesmo que não o consuma. Se não me engano, o Brasil ainda não chegou nesse nível mínimo de consumo de gás. Como é um dinheiro que a Petrobras paga de qualquer jeito, a empresa está tentando estimular ao máximo o consumo de gás natural: GNV, substituição do GLP por gás natural em residências, construção do pólo gás-químico, etc. A primeira vez que a diretoria de Gás e Energia teve lucro foi em 2004.

É muito difícil para a Bolívia vender o gás para outros consumidores que não os brasileiros. Não é economicamente viável colocar o gás em um navio e vender para quem der o melhor preço, como a Venezuela faz com o petróleo. Toda essa movimentação está fazendo a Petrobras apressar a produção no campo de Mexilhão, na Bacia de Santos. E, do jeito que as coisas andam, o máximo que a Bolívia vai fazer é matar sua galinha dos ovos de ouro - os brasileiros vão pagar mais pelo gás que virá do fundo do mar mas vão conseguir tocar sua vida, e os bolivianos vão ver a arrecadação com impostos e royalties diminuir.

É um retrato da América Latina: a movimentação política na Bolívia pode fazer o país ganhar bastante dinheiro por uns três ou quatro anos, mas perder no longo prazo, às custas do vizinho. Todos perdem, ninguém ganha.

Comments:
Salve, Bruno.

A crise política na Bolívia está bastante séria e não vejo como um presidente possa sobreviver politicamente sem ceder à oposição e aumentar os impostos sobre o gás.

Do ponto de vista dos negócios, é claro que isso não é bom para a Petrobras. Mas como a disputa envolve a política externa brasileira e a integração da América do Sul, suponho que o Itamaraty irá fazer valer sua influência e negociar um acordo com os bolivianos.

Pessoalmente, gostaria de ver a Petrobras adotar medidas mais fortes de responsabilidade social na Bolívia. A ação da empresa no que toca à preservação do meio ambiente e ao relacionamento com os indígenas tem sido muito ruim e dado margem a vários conflitos.

Abraços
 
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